Leis que pegam e leis que não pegam
- Carlos Nascimento
- 7 de out. de 2019
- 4 min de leitura

Provavelmente o Brasil é o único lugar do mundo em que há leis que não pegam”; ou seja aqui temos normas que são simplesmente ignoradas, inclusive por quem tem o dever de fazê-las ser cumpridas. É claro que quando se quer estas normas são ressuscitadas para alguma aplicação especial, por exemplo contra um adversário político, ou para favorecer um aliado.
E parece que o Movimento Escoteiro não está imune a isto. Estatuto, regras do POR e Resoluções muitas vezes são solenemente ignoradas, e do mesmo modo que acontece com as leis, também podem ser lembradas para benefício ou prejuízo de alguém.
Anualmente o Conselho de Administração Nacional da UEB emite uma Resolução disciplinando o reconhecimento de Unidades Escoteiras Locais e Regiões Escoteiras. O texto que basicamente se repete ano a ano é semelhante a este que está na Resolução 07/2018 em seu art. 6º
“A autorização institucional será considerada concedida para as UELs e Regiões Escoteiras, com a emissão, por parte da Direção Nacional, do “Certificado de Autorização de Funcionamento Anual”, sem o qual a UEL não poderá promover atividades escoteiras de qualquer natureza, nem fazer uso dos direitos previstos no Estatuto e regulamentos da UEB.”
Vamos destrinchar a norma, tomando como base a redação da Resolução 07/2018 que está em vigor, discorrendo sobre duas questões.
Quais as implicações da falta de renovação do Certificado de Funcionamento Anual. A primeira é que a “UEL não poderá promover atividades escoteiras de qualquer natureza”; ou seja, expirando a vigência do Certificado a UEL deve cessar o seu funcionamento pois não poderá realizar atividade de qualquer natureza, ou seja nem mesmo a simples reunião semanal, e não somente, como muitos imaginam, atividades externas. A segunda consequência é o impedimento de fazer uso dos direitos previstos no Estatuto e regulamentos da UEB. Quais são estes direitos? o principal é a representação nas reuniões das Assembleias Regionais, a UEL sem Certificado de Funcionamento Anual perderá direito a voto na Assembleia Regional, assim como não poderá participar de uma eventual solicitação de convocação extraordinária da mesma Assembleia.
Porém a participação na Assembleia Regional não afeta tanto à vida da UEL quanto o impedimento de realizar atividades pois com isto interrompe-se a aplicação do programa educativo, desligitimizando-se qualquer registro de atividade na ficha individual do jovem, ou mesmo do adulto, quando realizadas durante o período sem certificado.
A vedação de promover atividade está inscrita de maneira mais rigorosa no POR, pois prevê a possibilidade de punição para quem a descumprir.
REGRA 034 – REGISTRO INSTITUCIONAL E CONTRIBUIÇÃO ANUAL.
III - Constitui falta grave, passível de punição disciplinar dos adultos, dirigentes e escotistas, a promoção de atividades escoteiras sem que a Unidade Escoteira Local seja reconhecida no ano em curso e/ou que permitirem a participação em atividades escoteiras de membro juvenil e/ou adulto sem a efetivação do seu Registro Institucional e pagamento da sua “Contribuição Anual”.
Entretanto o que se vê não é isto. Infelizmente não se diferencia UELs sem Cerificado de Autorização atualizado daquelas que os tem. Como exemplos desta falta de diferenciação temos que, quando se analisa um processo de concessão de distintivo especial, normalmente não se preocupa em averiguar se as atividades desenvolvidas como requisitos para aquele distintivo foram realizadas em um período no qual a UEL estava funcionando regularmente, com certificado anual válido. O mesmo se dá na quando da análise da concessão de nível formação, a um escotista ou dirigente quando envolve atividades necessárias para a obtenção deste nível.
Ainda que a UEB recomende que se publicize o certificado de funcionamento anual poucos o fazem. Esta transparência poderia partir da própria UEB colocando ao lado do nome da unidade, no site, a data de emissão do Certificado anual e a sua vigência. Isto evitaria manobras, por exemplo, em Assembleias Regionais que por interesses outros se permitisse que determinada unidade pudesse ter seus delegados credenciados e outras não, mesmo que ambas estivessem sem o certificado anual de funcionamento. É uma situação improvável, mas não impossível de acontecer.
Uma questão interessante é quando o certificado perde a vigência, sem que o mesmo esteja renovado, em meio à uma atividade. Há quem pense, erroneamente, pelo fato de a atividade ter iniciado quando o certificado ainda é vigente ela está totalmente regular. Isto, em nossa opinião, não procede, pois caso ocorra algum problema durante a atividade após a cessão da vigência do certificado os dirigentes não poderão buscar amparo em outros níveis, Regional ou Nacional, pois assumiu o risco de realizar a atividade em um período que o prazo de validade do certificado estaria findando. Imagine que você vai realizar uma viagem três dias de duração, quando a sua habilitação já está vencida há 29 dias (lembremos que o prazo para renovar habilitação é de 30 dias após o vencimento), já próximo ao final da viagem você é parado pela Polícia Rodoviária que verifica que esgotou o prazo para a renovação da sua CNH, você então alega, mas quando eu iniciei a viagem ainda estava dentro do prazo para a renovação, o patrulheiro gentilmente vai lhe aplicar uma multa, pois você assumiu o risco de viajar com um documento que iria perder a validade.
É claro que se pode contestar a eficácia de uma norma que atenta contra o funcionamento da própria instituição, especialmente quando a UEL tem personalidade jurídica própria. Porém a instituição maior vai alegar o compromisso que assumem os dirigentes da UEB de cumprirem as normas da entidade. Também pode-se alegar bom senso, boa vontade e outros argumentos que não vão ter a menor importância em caso de judicialização de um problema.
Alguns ponderarão que o Escotismo está burocratizado, porém vemos que a questão é, como disse Stanislaw Ponte Preta, “Restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos!”, pois o que vemos hoje é um tratamento indistinto para Grupos com o sem certificado de Funcionamento.
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