Ora direis ouvir os jovens...
- Carlos Nascimento
- 12 de ago. de 2020
- 4 min de leitura

“Pergunte ao jovem”. Esta frase de Baden-Powell (originalmente “ask the boy” – pergunte ao garoto) tão repetida, mas que muitos seriam incapazes de identificar onde ele a escreveu, ou se a escreveu, é um mote convenientemente repetido, mas pouco aplicado.
Desconheço algum escrito de B-P que tenha esta frase colocada de forma direta, dizem que era quase um mantra dito por ele, mas não se aponta o registro. Por outro lado há muitas passagens escritas pelo fundador no qual ele mostra a essência disto, especialmente no Guia do Chefe Escoteiro. O cerne do pergunte ao jovem está lá quando ele diz a guisa de parábola, ao falar como atrair os jovens, para usar a isca que o peixe gosta. Também quando ele diz que o chefe deve ver as coisas da perspectiva do jovem, e por fim de um modo um pouco mais direto ele diz “uma das maneiras do Chefe organizar atividades atraentes e agradáveis é poupar os miolos e usar os ouvidos” isto fica mais claro quando adiante escreve que ouvindo os debates na Corte de Honra e as conversas no Fogo de Conselho obteria mais informações. Porém de certo modo mais que pergunte ao jovem, é escute o jovem. Escute-o livremente, sem direcionamentos.
Mas como escutar os jovens se não lhe damos voz? Ou restringimos seus espaços de fala?
Ultimamente tenho lido manifestações contra a forma que o ciclo de programa é elaborado, passando pelos conselhos de Patrulha, Assembleia de Tropa até chegar à Corte de Honra. Para os críticos bastaria ouvir a Corte de Honra. Do mesmo modo há posicionamentos contrários quanto à participação juvenil em reuniões de Assembleia sob os argumentos mais diversos, esquecendo que este órgão tem reuniões abertas.
Muitas destas pessoas atacam a posição de se adotar representação juvenil como uma destas modernizações que estão acabando com o escotismo e elucubram sobre como era no passado, na verdade o tempo vivido pela própria pessoa no escotismo, sem nenhuma base histórica.
A participação de jovens em órgãos colegiados nos vários níveis não é nova. O Estatuto da UEB de 1950 previa no artigo 98 a participação dos graduados no Conselho Geral da Associação ou Tropa. O que utilizando os termos atuais é a participação dos graduados na Assembleia de Grupo ou da Seção Autônoma. Participação esta que foi suprimida com a atualização do Estatuto de 1956. Cabe aqui abrir parênteses para atualizar sobre os termos que foram utilizados até a reforma estatutária de 1956. Associação, era a reunião de uma ou mais Tropas, hoje é o Grupo Escoteiro. Tropa era qualquer seção independente do Ramo. Grupo era a Tropa Escoteira ou Sênior.
Vinte três anos após o Estatuto de 1979 voltou a dar aos jovens voz e voto nas assembleias, desta vez de uma forma mais ampliada ao prever na composição do Conselho Nacional (hoje Assembleia Nacional) como membros representativos “6 delegados juvenis eleitos anualmente pelo Fórum Nacional de Jovens e 3 delegados eleitos anualmente pelo Mutirão Nacional Pioneiro” ( Art. 18, b III). Esta mesma representação foi prevista, em número mais reduzido, para o Conselho Regional (Assembleia Regional) tendo assim os membros juvenis direito a “3 delegados juvenis eleitos pelo Fórum Regional de Jovens e um delegado pioneiro eleito pelo Mutirão Pioneiro Regional” (Art. 29, b II).
Em 1983 uma nova reforma estatutária foi proposta, e uma das alterações apresentadas foi a supressão da representação juvenil. Eu estava presente como único delegado juvenil representando o Mutirão Nacional Pioneiro. Após intensos debates a representação do Ramo Pioneiro no Conselho Nacional foi mantida e os jovens ainda conseguiram vagas com direito a voz e voto na CNOC – Comissão Nacional de Orientação e Coordenação (o órgão técnico da UEB). Duas vagas foram para o Mutirão Nacional Pioneiro (art. 25, g) e quatro vagas para o Fórum Nacional de Jovens (art. 25, h). Estas mudanças também se refletiram no nível regional com o Fórum de Jovens perdendo a sua representação no Conselho regional, mas ganhando quatro vagas na CROC – Comissão Regional de Coordenação e Orientação (art. 38, f), enquanto o Mutirão Regional Pioneiro passou a ter três delegados na Assembleia Regional (art. 33, II) e dois na CROC (art. 38, e).
As representações juvenis nos órgãos nacionais e regionais duraram até a reforma estatutária de 1994, quando os conselhos passaram a ser denominados assembleias e a CNOC, assim como a CROC, foi extinta. Se por um lado os jovens perderam a representação nos níveis regionais por outro se abriu a possibilidade de participação com voz e voto nas Assembleias de Grupo, caso houvesse previsão no Regulamento do Grupo (art. 32, f), ou estatuto do Grupo a partir da modificação introduzido na reforma de 2000 foi. E é esta a redação que perdura até hoje.
Criado na reforma estatutária de 2000 o Conselho de Administração Nacional passou a ser o órgão Diretivo Nacional. Durante muitos anos os jovens lutaram para ter um representante neste órgão. Isto foi alcançado, de forma incompleta, com a reforma estatutária de 2008 quando a Rede Nacional de Jovens Líderes passou a ter direito a dois representantes, porém sem direito a voto ( Art. 16.)
Como se pode perceber a participação juvenil em assembleias ou outros órgãos não é nenhuma proposta recente.
Em nada impede, ou conflita, a participação juvenil uma vez ao ano em uma reunião de assembleia, com o desenvolvimento das atividades normais. Se dizemos que o objetivo do Escotismo é contribuir na formação de cidadãos participativos em suas comunidade qual a razão de negar que se participe plenamente da comunidade escoteira, de negar a inserção da participação juvenil nas assembleias como parte do processo educativo?
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