A ASSEMBLEIA É (QUASE) SOBERANA
- Carlos Nascimento
- 10 de nov. de 2020
- 4 min de leitura
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A assembleia é soberana”. Não é raro ouvir-se esta assertiva em reuniões assembleianas entoada como uma espécie de salvo conduto para o tudo pode. Porém "devagar com o andor, que o santo é de barro". A soberania da Assem
bleia é limitada ao estabelecido nas regras, mormente àquelas do instrumento que se depreende a sua soberania, desde que este não colida com a legislação pátria.
No caso da União dos Escoteiros do Brasil é o seu estatuto que estabelece que a Assembleia “é o órgão máximo, representativo e normativo” (art. 13 para a Nacional, art. 24 para a Regional e art. 32 para Grupo Escoteiro, com a diferença que neste ela não é normativa, mas sim deliberativa). Sendo este estatuto, nos artigo expostos, que reveste de caráter soberano a Assembleia, é ele o limitador desta soberania, circunscrevendo-a às competências elencadas nos incisos que seguem cada um destes artigos. Fora esta soberania absoluta poderia decidir a assembleia contra o próprio estatuto, o que por certo poderia arrastar esta decisão para a esfera judicial.
Às vezes confunde-se o poder da Assembleia decidir sobre questões ainda não regradas, sem competência atribuída, com soberania absoluta. Por mais que o Estatuto ou Regulamento Regional, de Grupo ou da própria assembleia aponte outro caminho, este não pode ser divergente dos limites estabelecidos no Estatuto da UEB. Ou ainda no caso de regulamentos de assembleias estes não podem conflitar com o estatuto do nível da assembleia: nacional, regional ou local.
Cito dois exemplos já ocorridos em diferentes assembleias. O primeiro foi a apresentação de uma chapa para a Comissão Fiscal. A Assembleia, por mais soberana que seja, não pode aceitar que se vote uma chapa para a Comissão Fiscal porquanto a forma estabelecida no Estatuto é a de voto unitário. Caso esta proposta tivesse sido aceita e a chapa tivesse saído vencedora os candidatos que se apresentaram individualmente poderiam contestar recorrendo tanto judicialmente quanto internamente. O segundo exemplo trata-se da votação da prestação de contas. Há quem confunda a deliberação do relatório da Comissão Fiscal à Assembleia (art. 13, II, para a nacional, art. 24, II para a Regional e 31, VI de Grupo) com o parecer sobre as contas que se apresenta à Assembleia (art. 13. IV, para a nacional art. 24, VII para a Regional, art. 32 V de Grupo) . São documentos distintos, com resultados distintos, como passo a explicar a seguir.
O relatório da Comissão Fiscal à Assembleia é um relatório de atividades, tanto que este está elencado no mesmo inciso (art. 13, II; art. 24 – II e art. 32, VI) que dá competência à Assembleia Nacional deliberar sobre os relatórios da Diretoria Executiva, do Conselho de Administração Nacional e da Comissão de Ética e Disciplina Nacional, e à Assembleia Regional da Competência para deliberar sobre o relatório da Diretoria. Talvez haja uma pequena confusão porquanto o estatuto estabelece que a Comissão Fiscal Nacional emitirá ao CAN relatório quanto aos balancetes mensais (art. 21 parágrafos único) e a Comissão Fiscal Regional emitirá relatório à Diretoria Regional quanto aos balancetes mensais (art. 29 parágrafo único). Estes relatórios sobre balancetes são sobre o estado das contas, podendo conter orientações, apontar divergências, que podem suscitar correções; diferentemente do parecer sobre o balanço anual, que deve ser apresentado à Assembleia, conforme consta nos parágrafos únicos citados, no qual a Comissão Fiscal faz uma análise do balanço e recomenda a sua aprovação, aprovação com ressalvas ou rejeição. Cabendo a Assembleia acatar ou não este parecer.
Mas quais as consequências se a Comissão Fiscal deixar de apresentar o relatório, ou parecer. Como explicado são duas coisas diferentes. Caso o relatório da Comissão Fiscal não seja submetido à apreciação da Assembleia as consequências não serão diferentes daquelas atribuídas a outro órgão deixe de apresentar o seu relatório conforme dispõe o estatuto. A primeira é que não haverá o que se deliberar. E aqui a Assembleia será soberana em determinar a medida a tomar pela falta de cumprimento de norma estatutária, uma vez que não há nenhuma previsão sobre as consequências para o órgão que deixa de apresentar relatório de atividades. Claro está assegurando-se a ampla defesa. Já no caso de deixar de apresentar o parecer sobre o balanço anual a primeira consequência é que não haverá o que votar, pois o estatuto é claro que compete a Assembleia, em cada um dos níveis, deliberar sobre as contas e o balanço anual, mediante parecer da Comissão Fiscal. O seja delibera-se sobre as contas, mas é o parecer da Comissão Fiscal sobre as contas que é votado.
E quais as consequências para a instituição, independentemente do nível, caso o parecer deixe de ser votado? As mesmas que se as contas forem rejeitadas aceitando ou contrariando o parecer apresentado pela Comissão Fiscal. Ou seja, nenhuma para a instituição. Mas poderá haver implicações para as partes envolvidas, sejam os membros da Comissão Fiscal, caso esta não tenha apresentado o parecer, quer seja para os integrantes da Diretoria que teve as suas contas rejeitadas, não se impedindo de apurar as responsabilidades individuais. Podendo, inclusive, o órgão inadimplente com as obrigações sofrer intervenção. Todavia este remédio é cada vez menos aplicado.
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