A UEB E O ETARISMO

Baden-Powell era um cinquentão quando realizou o acampamento pioneiro de Brownsea, o que convenhamos para a época, primórdios do século XX, já era uma idade avançada, um ano a mais que a expectativa de vida para 1907 na Inglaterra. Na construção de sua grande obra se cercou de pessoas de várias idades, grande parte com idade similar ou maior que a dele. E assim com a colaboração de adultos voluntários progrediu o Movimento Escoteiro, um movimento para jovens, no qual a convivência entre as gerações foi uma das chaves para o sucesso e nunca impediu o protagonismo juvenil.

Ultimamente há uma certa tendência a descartar os voluntários mais velhos para ressaltar o protagonismo juvenil sob a justificativa que o Escotismo é de jovens e para jovens, omitindo a colaboração dos adultos voluntários.

A participação juvenil na vida da instituição pode e deve ser estimulada, entretanto não se pode esquecer os primórdios e desestimular a convivência intergeracional, todavia não raro vermos o conflito, algumas vezes gerados por ocupação de espaços.

No próximo mês de abril teremos reunião extraordinária da Assembleia Nacional da UEB a qual terá na pauta a votação da proposta do novo Estatuto Social da União do Escoteiros do Brasil, votação que já foi proposta para outras Assembleias e postergada.

É certo que a construção da proposta estatutária contou com a contribuição de várias pessoas e a colaboração de um consultor especializado em Organizações da Sociedade Civil, e ex integrante do Movimento Escoteiro, porém não impede que tenha várias falhas e desagrade a muitos que já tomaram contato com o texto a ser apresentado à Assembleia Nacional.

Aqui não apontarei todas as questões que merecem uma análise mais particular, somente abordarei uma que apesar da boa intenção em estimular a participação de pessoas mais jovens por outro lado discrimina as mais velhas, cometendo etarismo que é a discriminação das pessoas em função da idade — também é chamada de idadísmo ou ageísmo—

De acordo com o Relatório Global sobre Etarismo elaborado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) este preconceito é bastante comum e uma em cada duas pessoas no mundo já apresentou ações discriminatórias que pioram a saúde física e mental dos idosos. O documento da OMS aponta (pg. 36) que no Brasil 16,8% as pessoas com 50 anos ou mais, portanto antes do início da 3ª idade, já sentiram que foram vítimas de algum tipo de discriminação devido à idade.

O etarismo aparece na proposta de estatuto quando propõe a média de idade mais baixa como critério de desempate ou, em caso de persistir o empate, declarar vencedora a chapa que tiver o integrante mais jovem; ou no caso das eleições por votação individual declarar vencedor o candidato mais jovem.

A participação juvenil no Movimento Escoteiro é importante, e o protagonismo juvenil deve ser valorizado, entretanto não podemos nos transformar em uma instituição dualista, em que jovens e velhos se opõem.

Para além dos rótulos geracionais, tradicionalistas, baby boomers, gerações, x, y, z e alfa, em que as pessoas são classificadas apenas pelo seu ano de nascimento, não podemos menosprezar aqueles que vivem além do seu tempo ou fora do seu tempo. Sejam jovens nostálgicos, ou idosos contemporâneos. Isto sem falar dos “perennials” aqueles que não têm idade, termo criado por Gina Pell, em 2016.

De um certo modo um perennial incorpora aquilo que B-P disse que o Chefe Escoteiro devia ser, um irmão mais velho pois por incorporar gostos e hábitos de diferentes faixas etárias eles conseguem facilmente se relacionar com pessoas de qualquer idade.

Normatizar o etarismo, em vez de estimular a convivência intergeracional, pode desagregar a instituição, que deixa de aproveitar a sinergia propiciada pela convivência as diversas gerações que se completam no fazer escoteiro.