O ESCOTISMO E A “BANALIDADE DO MAL”

Viralizou na internet a foto da escoteira tcheca Lucie Myslíková, de 16 anos, que no último dia 1º de maio, juntamente com oito companheiros saiu à rua na cidade de Brno, a segunda maior da República Tcheca, para se unir às pessoas que protestavam contra uma passeata realizada por um grupo de extrema direita. Em entrevista à CNN Vladimir Cicmanec, o fotografo amador responsável pelo flagrante, declarou que Lucie "se manteve firme e deu alguns argumentos profundos, enquanto ela disse à mesma emissora “Queríamos mostrar-lhes que eles não são bem-vindos aqui”.

A atitude de Lucie mostra que ela está impregnada pelos ideais escoteiros, porém, infelizmente, nem todos pensam como ela. Diariamente pode-se ver desfilar pelas redes sociais membros do nosso movimento que muito bem poderia ser o confrontante da Escoteira Tcheca.

Poucos dias antes de Lucie enfrentar os extremistas aqui no Brasil pudemos ver chefes escoteiros postarem uma imagem de cartuchos com os dizeres “diga amém para as balas de borracha que serão usadas amanhã”. Uma maneira nada sutil de dizer que eram contrários à greve geral convocada.

Estes chefes escoteiros não se intimidam para defender o seu ponto de vista político em difundir boatos, e alguns quando alertados, preferem desqualificar quem o alerta, ainda que confrontados com provas contundentes que aquela postagem é descabida.

Muitas vezes o discurso destes extremistas está contaminado de ódio, alguns vezes de forma sutil, outras aberta, e com eles não há diálogo, qualquer tentativa é frustrada por uma saraivada de agressões, morre a Lei Escoteira, nada de cortesia, nada de o escoteiro é amigo de todos e irmão dos demais escoteiros, a única coisa que resta é a incapacidade de lidar com a diversidade, de enxergar o outro.

Foi muito triste para mim ver chefes escoteiros postando a foto de uma menor e a descrevendo com as piores palavras possíveis, somente porque ela é filha de uma deputada de um partido que eles odeiam, chefes estes que, supostamente, fizeram um curso de proteção infanto juvenil.

Foi decepcionante ler postagens e comentários de companheiros de Escotismo ofensivos contra nativos de algumas regiões do Brasil somente porque na cabeça dos agressores estes deram a vitória à candidata a presidente na qual não votaram, esquecendo-se que ela fora vencedora também em estados fora destas regiões, mas isto pouco importa.

Porém houve quem, e muitos destes que reproduzem um discurso de ódio, reagiu contrariamente à posição dos escoteiros tchecos alegando que não deviam estar ali uma vez que o Movimento Escoteiro não é político. Isto depende de como se enxerga o político, se for pela defesa de um partido ou regime, não nós não somos políticos, mas se for em defesa de uma causa com valores compatíveis com os expressos na Promessa e Lei Escoteira, sim somos políticos, porque nosso objetivo é contribuir para que os jovens assumam o seu papel como cidadãos úteis e participativos em suas comunidades. Vejam bem participativo, e não passivos.

Infelizmente vivemos tempos em que o mal se banaliza, tal qual descreveu Hannah Arendt ao acompanhar o julgamento do nazista Adolf Eichmmann. Segundo Hannah como “resultado da massificação da sociedade, se criou uma multidão incapaz de fazer julgamentos morais, razão porque aceitam e cumprem ordens sem questionar. O mal, quando atinge grupos sociais, é político e ocorre onde encontra espaço institucional. A banalidade do mal se instala no vácuo do pensamento, trivializando a violência”.

A banalidade do mal impede que as pessoas façam uma reflexão crítica e ética, pensando por si. Dentre nós escoteiros esquece-se os valores que estão impregnados na Lei e Promessa, coisificando o outro que se opõe ao pensamento que foi instilado sem a mínima reflexão crítica, aceita-se porque fruto de uma massa, sutilmente manobrada por interesses nem sempre claros.

Fotos: Vladimir Cicmanec e do frames do vídeo no facebook Honza Pobořil

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