NENHUM TOM DE CINZA
- Carlos Nascimento
- 27 de nov. de 2017
- 3 min de leitura

Quase todos escoteiros conhecem o famoso quadro de David Jagger retratando Baden-Powell na clássica pose de braços cruzados, a qual é reproduzida nas fotos oficiais de final dos cursos de formação como se quisesse incorporar o espírito do fundador. Porém poucos devem ter prestado atenção à cor do lenço usado por Baden-Powell. Cinza, ou como diz a descrição oficial, cinza pombo, que era então a cor oficial do lenço de Gilwell, outorgado aos portadores da Insígnia de Madeira.
Na história dos Cursos de Insígnia de Madeira descreve-se que os primeiros lenços eram triângulos do tartã do clã Mac Laren, porém ficou muito caro, depois adotou-se um tecido cinza pombo na parte exterior e avermelhado por dentro, este tecido somente era fabricado na Índia, posteriormente também passou a ser fabricado na Inglaterra, e servia para fazer camisas e roupas interiores, tipo ceroulão, para aquecer, na explicação técnica do tecido o lado avermelhado é retentor de calor, porém no simbolismo do lenço significa o calor dos sentimentos
Não se sabe quando o lenço deixou de ser cinza para adotar a cor atual, se foi algo casual ou proposital, talvez por descobrir que ao conquistar a Insígnia de Madeira em muitos a humildade desaparece, porém o fato é que apesar de não ter nenhum artigo na Lei Escoteira que diga o Escoteiro é humilde, B-P sempre deixou transparecer isto, quer se despojando de seus títulos e assinando simplesmente Robert Baden-Powell, ou B-P, quer na construção dos simbolismo do Escotismo, por exemplo a mais alta condecoração mundial é o Lobo de Bronze, não é de ouro, mas bronze, enquanto que na The Scout Asociation, este lobo é de prata.
As redes sociais nos trazem toneladas de exemplos de voluntários adultos que são o antônimo daquilo desejado por B-P, tornam-se eles mesmos o centro das atenções, fazem do seu agir um caminho para prêmios, cargos e glórias, e não escondem isto, muito mais que servir o Escotismo se servem do Escotismo.
Nas minha quatro décadas de caminhada escoteira encontrei muitos voluntários que eram exemplo de dedicação e desta humildade ansiada por B-P, vou deixar de fora os que ainda estão vivo, e citar aqueles que já partiram para o eterno acampamento. O primeiro que conheci foi o Prof Hermógenes, de Mossoró, no Rio Grande do Norte, um batalhador pelo Escotismo na cidade, mantinha um jornalzinho escoteiro, imprimia cartões blocos tudo para divulgar o Movimento. Já mais adiante conheci o Ministro Guido Mondim, que sabia como ninguém conduzir uma Assembleia, cujo poema que se inicia com os versos “Despe seu uniforme escoteiro, que não é por vesti-lo que te fazes um escoteiro”, marcou a mim como simbolismo de um escotismo ideal. André Pereira Leite, à memória do qual este blog tem o nome de Saber e Agir, lutou como nunca para renovar a formação dos voluntários. Nas reuniões era sempre a voz calma e didática a intervir. Jaire Perez Vasconcelos, o bom humor em pessoa, voz poderosa, mas amistosa, dele sempre cito a frase que ele conta ter ouvido quando era gerente de uma agência do Banco do Brasil, “ninguém é obrigado a tratar, mas uma vez tratando tem que cumprir”. Padre João Fagundes Hauck e Padre Penha, dois padres apaixonados pelo escotismo, mas também apaixonados pela vida.
Estas pessoas dedicadas que levaram adiante o Escotismo no Brasil nos tempos mais difíceis são hoje esquecidas, e ao menos que eu saiba, nunca os vi preocupados com reconhecimentos e cargos. Com alguns deles comparti dormitórios coletivos em seminários e cursos, nada de regalias.
Hoje em dia vemos pessoas que planejam a sua vida no escotismo como se fosse uma carreira. Cada ação, cada atividade que participa é planejada para chegar ao cargo que almeja. Há muito tempo ouvi alguém falar "a pessoa não consegue ser nada, entra o no Escotismo para receber o título de chefe, e mandar em alguém, depois parece que cansa desta brincadeira e quer ser mais."
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